terça-feira, 31 de julho de 2012

Amar

Amar:

Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...

O amor é quando a gente mora um no outro.

Mario Quintana

segunda-feira, 30 de julho de 2012

106º Aniversário do grande poeta Mário Quintana



Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprendem a ler e não leem, Mario Quintana



Mário de Miranda Quintana nasceu na cidade gaúcha de Alegrete, em 1906, onde viveu até 1919, quando se mudou para Porto Alegre. Em 1929, ingressou na redação de O Estado do Rio Grande. Em 1934, a Editora Globo publicou sua tradução de Palavras e Sangue, de Giovanni Papini, a primeira de muitas que faria depois (verteria para o português, entre outros, obras de Marcel Proust e Virginia Woolf). Em 1940, saiu seu primeiro livro publicado, os sonetos de A Rua dos Cataventos. Em 1943, iniciou a publicação do Caderno H, que reunia poemas e trechos em prosa poética, na Revista Província de São Pedro. Em 1950, publicou O Aprendiz de Feiticeiro e, no ano seguinte, Espelho Mágico.

Aos 60 anos, lançou Antologia Poética, que recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia de Melhor Livro do Ano. Em 1986, o poeta recebu uma consagração raramente vista na vida literária brasileira, com lançamento da coletânea Oitenta Anos de Poesia e abertura de exposição sobre sua vida, entre outras homenagens. Morreu em 1994, aos 87 anos.

Poeta do cotidiano, das coisas simples, da natureza, do humor tranquilo, do mistério da existência, da aceitação estóica da vida e da morte, Mário Quintana, que costuma ser ligado à Geração de 45 (que revelou também João Cabral de Melo Neto), sofreu e ainda sofre de uma dupla apreciação: aquela feita pelos que o consideram um dos mais elaborados artífices da poesia brasileira e a dos que, sem desmerecer seus achados técnicos, consideram-no passadista e pouco inovador.

A questão também está relacionada a duas atitudes do poeta. Uma foi sua recusa por aderir às modas. Quando todos praticavam o verso livre, ele se voltou para as formas tradicionais, como o soneto; quando o gosto preconizava os padrões clássicos, ele preferiu privilegiar os poemas breves, à Oswald de Andrade, e a prosa poética. Outra característica sua geradora de debates é a propalada simplicidade, que muitos têm na conta de simplicismo. Esse preconceito foi mudando com os anos, conforme explica Tania Franco Carvalhal, especialista na obra do poeta gaúcho, "[o leitor] aprendeu a descobrir que a aparente facilidade de sua poesia é resultante de um complexo trabalho de linguagem, de uma depuração lenta que nada deve ao espontâneo. Na verdade, trata-se de uma rara identificação entre cantar e viver, que lhe permite o trânsito fácil entre fantasia e realidade, entre expressão de lirismo e densidade dramática".

É o que comprova sua Nova Antologia Poética, lançada em 1981, incluindo 40 poemas novos à antologia anterior (sem o "nova"), coligida pelo poeta em 1966, com o auxílio dos colegas Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. A nova coletânea contempla toda a evolução artística do poeta. Independentemente da forma de expressão escolhida (poema em prosa, composições breves, soneto), percebe-se um poeta sempre fiel a si mesmo; seja no seu amor à terra ("Na mais profunda treva eu sonharei contigo / minha terra em flor"), seja no acolhimento da morte ("Morrer é simplesmente esquecer as palavras"), seja nos acordes autobiográficos ("O outono toca realejo / no pátio de minha vida"). 

domingo, 29 de julho de 2012

XIV Olimpíada




No dia 29 de julho de 1948, há exatos 64 anos, era dada a partida para os Jogos da XIV Olimpíada, em Londres. Depois de uma pausa de 12 anos por causa da Segunda Guerra Mundial, atletas de todo o mundo se reuniam na capital britânica. Aliás, de quase todo o mundo: Japão e Alemanha, derrotados na guerra, não foram convidados a participar do evento.

A última edição dos jogos se realizara em Berlim, durante o regime nazista, em 1936. Curiosamente, os jogos de 1940 aconteceriam no Japão, aliado da Alemanha na guerra, mas foram cancelados com o início do conflito.

Em 2012, Londres sedia os jogos pela terceira vez. A primeira foi em 1908.

América Latina




Quem vive o cotidiano da sala de aula sabe que não é exagero afirmar que os alunos brasileiros do ensino médio, ou mesmo os que chegam à universidade, praticamente desconhecem a História da América Latina. Esse distanciamento entre o Brasil e os demais países latino-americanos se deve em parte ao fato de a tradição cultural brasileira estar profundamente voltada para a Europa. Cultivado desde os tempos coloniais, o fascínio pela “civilização do Velho Mundo” ainda tem forte apelo na sociedade brasileira dos nossos dias.

Historicamente, muitos fatores contribuíram para a construção desse fosso. As áreas de colonização portuguesa e espanhola suportaram rivalidades entre suas metrópoles que acabaram por traçar limites não apenas geográficos, mas também culturais, políticos e sociais. Mesmo após as independências, ao longo do século XIX, as diferenças se mantiveram, especialmente pela escolha de regimes políticos – enquanto o Brasil se configurou como uma monarquia, os países hispânicos deram origem a diversas repúblicas.

Mas as últimas décadas trouxeram expressivas mudanças nas relações entre o Brasil e os demais países da América Latina. As várias facetas da integração regional e latino-americana têm sido intensamente discutidas e ganharam destaque no cenário político brasileiro, especialmente após a constituição do Mercosul (zona de livre comércio da qual fazem parte Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).  Este é um momento privilegiado para se ampliarem no Brasil o ensino e a pesquisa da História da América Latina. O paralelismo que encontramos nos grandes temas históricos das duas Américas – a portuguesa e a espanhola – permite indagações comparativas que podem provocar uma reflexão inovadora sobre a própria historiografia brasileira.

Uma comparação interessante pode ser feita entre duas pinturas históricas que retratam dois processos de independência: a do Uruguai e a do Brasil.As fortes vinculações com a Europa durante a segunda metade do século XIX fizeram com que vários artistas do Novo Mundo – brasileiros, uruguaios, argentinos e mexicanos – fossem estudar no Velho Continente, onde aprenderam novas técnicas e se familiarizaram com as correntes artísticas em voga, muitas vezes patrocinados por seus respectivos governos. Mas, de volta à terra natal, o cenário político e o ambiente acabaram impondo a questão nacional a esses artistas, que então dirigiram seu olhar para dentro de suas sociedades, interrogando-se sobre sua história e suas peculiaridades. Como resultado, produziram interpretações sobre os acontecimentos considerados primordiais naquele momento, como a chegada dos europeus à América e os processos de independência política.

No Brasil, Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905) pintou o quadro “IndependênciaouMorte” ou “OgritodoIpiranga”, em 1888.Às margens do riacho do Ipiranga, D. Pedro, montado a cavalo, levanta a espada e proclama a Independência do Brasil, bradando: “Independência ou Morte!”. Seu gesto é saudado pela guarda, vestida em trajes de gala, e bem à sua frente, um cavaleiro arranca da farda o laço vermelho e azul que simbolizava a união entre a Colônia e a metrópole. Vinda do alto, uma luz esplendorosa ilumina D. Pedro. O único homem que não faz parte da comitiva oficial – um caipira, puxando um carro de boi – está apartado da cena principal e assiste a tudo com admiração e surpresa. É o “povo”, praticamente ausente nessa representação e cujo papel não é nem mesmo de coadjuvante, mas sim de um mero espectador.

Já o uruguaio Juan Manuel Blanes (1830-1901) havia pintado, em 1877, “OJuramentodos33Orientais”.A obra retrata o grupo de homens liderado por Juan Antonio Lavalleja (1784-1853) e Manuel Oribe (1792-1857) que se lança à reconquista militar da Província Oriental, nesse período incorporada, com o nome deCisplatina, ao território brasileiro.O acontecimento marca, na história do Uruguai, o início simbólico da chamada Cruzada Libertadora, que levará à Independência, a ser proclamada em 25 de agosto de 1825.

Na tela, Lavalleja empunha a bandeira dos 33 orientais – branca, azul e vermelha, com os dizeres Libertad o Muerte – acompanhado por Oribe, com o chapéu na mão, ambos demonstrando o mesmo entusiasmo e disposição dos homens que estão à sua volta. A cena se abre como num leque, personalizando os principais atores e caracterizando as figuras secundárias, como a do gaúcho ajoelhado, em seus trajes costumeiros, bem à frente. Um clarão os ilumina e parece brotar da terra, dando dramaticidade e valorizando a determinação e a confiança do grupo. A pintura está concebida de tal forma que os dois líderes não podem ser separados de seus comandados. Colocados no mesmo plano, formam um grupo político coeso, movidos pela mesma causa.

Tanto Juan Manuel Blanes quanto Pedro Américo escreveram textos de reflexão sobre a criação e a elaboração de seus quadros. Nestes relatos, há um ponto em comum: ambos afirmaram que não espelhavam exatamente a verdade histórica, pois as necessidades essenciais da construção artística precisavam ser levadas em conta. 

Pedro Américo afirmava que visitara o local do “Grito” e realizara extensas pesquisas, mas que algumas mudanças se faziam necessárias: o riacho do Ipiranga foi incorporado ao quadro; a cor dos laços da farda foi mudada de branco e azul para vermelho e azul, para se adaptar melhor à composição de cores; a casa e as árvores ao redor foram inventadas, assim como o declive do terreno. O objetivo era “restaurar com a linguagem da arte um acontecimento que todos desejam contemplar revestido dos esplendores da imortalidade”. Ele argumentava que todos tinham que estar de acordo com aquela época “cerimoniosa e brilhante”, desde os cavalos até os uniformes da Guarda de Honra. O cavalo de D. Pedro, que segundo alguns era um asno baio, foi pintado como sendo um zaino escuro, e seu cavaleiro deveria ser pintado de acordo com o caráter do príncipe: “propenso às pompas do trono”, e não refletindo as perturbações gástricas que sofria na ocasião.

Blanes achava importante fazer referência aos 33 orientais que iniciaram a luta pela independência. Pelas pesquisas atuais, não se sabe ao certo se esse número é exato. Mas a escolha do pintor está diretamente vinculada à sua filiação à maçonaria. Para os maçons, o número 3 é perfeito, compondo os três lados do triângulo, outro de seus símbolos. No quadro de Blanes, a vestimenta também é significativa, mas numa visão bastante diferente, já que ele dizia que “nossos pais não pensaram em fundar o orgulho nacional com seus trajes, e sim com seu valor e seu sangue”. Para ele, as roupas descuidadas de alguns dos heróis deviam ser assim retratadas, porque “atos de coragem e patriotismo não podem decorar-se previamente”. Então, a dignidade e a beleza seriam mostradas em sua simplicidade e de acordo com as particularidades dos costumes uruguaios.

As virtudes – coragem e dignidade – eram muito valorizadas pelo republicano Blanes, e por isso os trajes eram meros acessórios que não deviam ofuscar o brilho da cena histórica. Mas Pedro Américo pensava diferente: as aparências – a pompa, os trajes – eram indispensáveis, faziam parte da imagem da monarquia e integravam seu significado.  Da mesma forma, a luz, que na pintura do brasileiro vem do alto, na do uruguaio surge da terra. Ao comparar os dois quadros, é possível então afirmar que as escolhas pictóricas de Pedro Américo estão relacionadas ao imaginário simbólico da monarquia e que Blanes foi inspirado pelo ideário republicano, isto é, a perspectiva de que o poder político emana do povo e não da Divina Providência; que as pessoas nascem iguais, não cabendo privilégios à aristocracia; que as virtudes individuais são o sustentáculo do regime; que Estado e Igreja devem ser separados.

Bastante reveladoras são também as primeiras exibições dos dois quadros. Pedro Américo expôs “IndependênciaouMorte” pela primeira vez em Florença, em 1888, em “uma inauguração solene”, com a presença de D.Pedro II e da imperatriz, das rainhas da Sérvia e da Inglaterra e de vários membros da aristocracia europeia. O tom solene da cerimônia se adequava ao lugar escolhido para a exposição, a Academia Real de Belas Artes de Florença. Já Blanes expôs seu quadro pela primeira vez em seu próprio ateliê, no dia 31 de dezembro de 1877, com a presença do presidente da República e de outras autoridades. O quadro ficou disponível por um mês para a visitação de todos os cidadãos que desejassem contemplá-lo, provocando “uma comoção pública sem precedentes”, comprovada pelo impressionante número de 6.237 visitantes.

Além de simbolizarem as independências dos dois países, as duas pinturas históricas foram elaboradas por homens envolvidos com as discussões de seu tempo sobre arte, nação e política. As telas revelam as escolhas de cada um e demonstram que as afinidades com o regime monárquico, no caso do Brasil, ou com o regime republicano, no caso do Uruguai, indicam percepções diferentes sobre a independência de cada país.

É certo que o conhecimento sobre a História do Brasil pode ser enriquecido nas salas de aula quando direcionamos o olhar dos alunos para o horizonte ampliado da América Latina. E cruzando as fronteiras, descortina-se o rico – muitas vezes inimaginável – panorama da circulação de pessoas, de ideias, de livros, de proposições políticas e de projetos econômicos pela região.

Maria Lígia Coelho Pradoé professora da Universidade de São Paulo e autora de América Latina no Século XIX. Tramas, Telas e Textos (Edusp, 1999).

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Fúria dos Reis






A Fúria dos Reis, publicado aqui pela Editora Leya, é o segundo livro dessa grandiosa saga. Como todo bom segundo livro, consegue desenvolver as várias ramificações de sua história criadas anteriormente, aprofundar personagens já bastante tridimensionais e outros até então pouco explorados, consertar problemas do passado e arrumar problemas novos. E em meio às suas 650 e poucas páginas, A Fúria dos Reis consegue também padecer do mal dos segundos livros — é sensacional, mas não é tão épico ou impactante como o primeiro

A saga continua de onde o primeiro livro, A Guerra dos Tronos, parou. Após a morte do Rei Robert Baratheon e a execução de Eddard Stark, uma guerra civil instaurou-se em Westeros. Surgiram cinco reis, todos lutando para tomar o Trono de Ferro, agora sob o domínio do herdeiro de Robert, o odioso Joffrey Baratheon.

Dentre os inimigos do novo rei estão os irmãos de Robert, Stannis e Renly. Stannis é um homem duro e amargurado, que viveu boa parte da vida exilado em Pedra do Dragão e acabou rendendo-se aos subterfúgios da perigosa Melisandre, a Sacerdotisa Vermelha. Renly não passa de um moleque brincando de guerra, mas por ser carismático e justo, consegue apoio da Casa Tyrell e forma o maior exército dentre os reis ascendentes. Noutro vértice está Robb Stark, o filho mais velho de Eddard, que foi proclamado Rei do Norte e deseja mais a cabeça de Joffrey do que sentar no Trono de Ferro. No Norte, os homens da Patrulha da Noite enfrentam forças sombrias que se erguem além da Muralha e precisam lidar com o poder crescente do Rei Além da Muralha, o renegado Mance Rayder.

Do outro lado do mar, Daenerys Targaryen continua sua jornada para reunir forças e voltar a Westeros. Como Khaleesi dos selvagens Dothraki (que ainda a seguem), Dany pretende reconquistar o trono que ela acredita ser dela por direito, com fogo e sangue. Mas precisa passar ainda por muitas provações — a maior delas, defender seus dragões recém-nascidos, agora alvo de cobiça por todos os que cruzam o caminho da jovem Targaryen.

George R.R. Martin, o ilustre autor dessa ilustre série, continua maldoso… Ou, como diria uma amiga minha, um Mau Velhinho. Todavia, o cara mantém domínio excepcional sob todos os escopos de sua intrincada trama.

A quantidade enorme de personagens e arcos trabalhados no livro leva a basicamente três histórias principais, margeadas por diversas sub-tramas exaustivamente detalhadas. Aqui, no maior mérito do autor, reside também sua maior falha. Martin é um escritor de mão cheia, que às vezes justamente enche demais a mão e perde um pouco o fio da meada. Como ele mesmo diz, o diabo está nos detalhes — e isso é ainda mais correto nesse segundo livro do que foi no primeiro.

Eu gosto dos detalhes, gosto prazerosamente de desbravar as descrições dos cenários e das vestimentas e dos festejos, contudo, há de se convir que em alguns momentos, o velhinho escreve, escreve, escreve e não chega a lugar algum. E depois de 200 páginas isso começa a irritar.

Um exemplo é o arco do menino Bran Stark, que por estar aleijado fica preso em Winterfell enquanto seus irmãos estão espalhados pelo mundo. Bran torna-se responsável pelo reino e cicerone dos netos de Walder Frey, enviados para Winterfell como parte do acordo feito por Robb com o Senhor da Travessia para atravessar as Gêmeas durante a Guerra dos Cinco Reis. Durante páginas e mais páginas intermináveis, a história de Bran resume-se a ser instruído sobre como cuidar do reino e do povo (e achar isso um saco), aturar as birras com os Frey, aturar as birras com o irmão mais novo Rickon, e aturar mais um pouquinho as birras com os Frey (chato assim!). E depois de toda essa birra infernal, chegamos a conclusão que essa parte da história não serviu efetivamente pra nada. O negócio com o garoto só começa a andar lá para o final e, mesmo assim, quando fica interessante, o livro acaba. IRRITANTE. Pra não dizer que Bran é um completo desperdício, a relação dele com a bárbara Osha e a habilidade especial dele cavalgar o lobo Verão enquanto sonha são muito relevantes — porém menos desenvolvidas do que poderiam por causa dos Frey e de Rickon (aliás, que molequinho chato esse Rickon).

Apesar desses deslizes, até compreensíveis se levarmos em conta a quantidade de história, Martin oferece também momentos ímpares, como a forma como ele brinca com os vários pontos de vista de que dispõe, mostrando a Guerra dos Cinco Reis sob todas as perspectivas possíveis, tanto pessoais como geográficas.

Mesmo Daenerys, que vive em outro continente, não fica completamente alheia sobre o que está acontecendo em Westeros e a percepção dela da coisa toda é tão ingênua, tão infantil, mas tão determinada, que você não consegue ficar alheio a ela. Assim como acontece com Bran, a parte dela demora a engrenar, porém, é mais interessante, porque a personagem é mais carismática, mais forte. Daenerys é o despertar da alta fantasia num mundo até então desprovido da mística fantástica. KHALEESI. MÃE DOS DRAGÕES. Ela ainda vai tomar o que é dela com fogo e sangue, pode esperar. De longe, Dany é uma das personagens MAIS PROMISSORAS da saga.

De volta a Westeros, Martin coordena seus pontos de vista pra mostrar todas as nuances mesquinhas de uma guerra, especialmente quando temos que lidar com um sujeitinho desprezível chamado Joffrey. O Rei Menino é tão bonito quanto sádico — seguindo as características clássicas da Casa Lannister — e é um adolescente brincando de ser rei (mais do que o Renly). É impressionante como ninguém consegue controlá-lo, nem a própria mãe Cersei, que aos poucos perde seu poder como regente por causa da incapacidade de contrariar os destemperos do filho.

Toda essa impulsividade é apresentada pelo autor como consequências da guerra. Há um momento especialmente genial no livro quando Joffrey sentencia um homem à morte com tanta raiva que se corta no Trono de Ferro (que é construído de lâminas derretidas e fundidas). Ele se corta com sua maior arma, uma amostra de como a guerra não foi feita para tolos irascíveis nem crianças mimadas. Martin pode não nos fornecer a redenção de ver o mais infame personagem de sua saga cair perante espadas, mas é tão satírico ao representá-lo que nos presenteia com a ideia de um rei indigno ferido por seu próprio trono.

Pra sorte de rei infantil, apesar de tudo, há o lado dos que agem com frieza numa guerra. E no jogo dos tronos, Cersei Lannister domina. Ela pode não ter força contra Joffrey, mas não perde o charme e a língua afiada. QUE MULHER FODA. Cersei impulsiona todas as maquinações e intrigas por trás do enredo. Por mais que o filho-da-puta do Varys esteja lá dando azar, é ela quem manda, e usa todas as armas que tem para isso — a maior dela fica entre as pernas, como ela mesma deixa claro. Cersei só não é tão bem-sucedida porque tem que enfrentar um rival a altura, ele mesmo, o MELHOR PERSONAGEM de todos, o MEIO-HOMEM, Tyrion Lannister.

Poucas crias da literatura conseguem ser tão apaixonantes quanto Tyrion. George Martin não se priva de ironizar seus próprios antagonistas por dentro, esbravejando ferozmente que aparência significa NADA perto da inteligência, principalmente em situações políticas ou belicosas. Mais do que isso, o autor fundamenta seu mais expressivo personagem e nos deixa de joelhos perante ele. Sim, porque se você não se curva ao Meio-Homem, você é um tolo. Como resultado, Tyrion tem os melhores arcos, as melhores ideias, as melhores falas, os melhores companheiros, os melhores momentos, as melhores atitudes, os melhores romances. E a forma como Tyrion contorna os planos de Cersei é de bater palmas.

O anão ainda ganha a oportunidade de experimentar a febre da batalha, um momento de violência e glória que se mostra a maior cartada de Martin em A Fúria dos Reis. A guerra para proteger Porto Real é morna, dividida em muitos pontos de vista que fazem com que o acontecimento perca seu potencial épico. Mas, nos últimos instantes, Tyrion toma a frente. Comanda a porra toda. E PUTAQUEPARIU MEIO-HOMEM. Pronto, George Martin nos faz torcer para os Lannister ganharem. Nós torcemos pros vilões. PROS VILÕES.

Sério, manipular as emoções de uma história dessa forma é pra poucos. Na verdade, nesta segunda parte, Martin consegue tornar seus personagens tão mais humanos que fica impossível estabelecer maniqueísmos como heróis e vilões. Em A Fúria dos Reis, cada um tem sua motivação para lutar, trair, matar ou morrer. Os personagens têm códigos distintos de conduta e moral e são todos complexos, expostos em suas minúcias em cada capítulo ponto de vista. Nesse quesito, cada detalhe vale a pena. Porque você se identifica com eles.

Martin é assertivo até mesmo para lidar com questões delicadas do universo feminino, como quando Sansa Stark sangra e percebe que pode dar filhos a Joffrey, de quem ela está noiva, mas de quem ela também tem mais medo. Sansa aos poucos desabrocha e amadurece, torna-se uma personagem infinitamente mais interessante do que era no primeiro livro, e ainda assim mantém o ar de menina inocente, com um toque de delicadeza feminina raro de se ver nas mãos de um autor do sexo masculino. É fantástico ver como o otimismo e a credulidade de Sansa vão aos poucos sendo minados e em como ela tenta extrair força disso. Curiosamente, num outro extremo, vemos a outra manifestação da força feminina do livro, Arya Stark. MINHA PERSONAGEM PREFERIDA sofre pra caramba nessa parte da história. Infelizmente, Arya também demora a engrenar nesse livro. Mas, quando acontece, a menina assume uma postura mais prática e brutal, e diferente de Sansa reage. Quando Arya parte para ofensiva, transforma-se no Fantasma de Harrenhal. E quando ela espertamente engana um soldado e corta o pescoço dele com uma faca finalmente vemos porque Arya é ARYA. UMA STARK. A MELHOR STARK.

No mais, temos aos capítulos de Catelyn Stark, que amadurece como mãe e conselheira, mas que também continua com o péssimo hábito de estar no lugar errado na hora errada, o que só fode a vida dela; Sor Davos Seaworth, ex-contrabandista que virou cavaleiro de Stannis, um personagem promissor, que ainda não teve todo o seu potencial explorado e pode ganhar ainda mais terreno (ou mares) nos próximos livros; Theon Greyjoy, protegido da Casa Stark que ganha mais destaque nesse livro, mas demonstra ser apenas um menino fraco e mimado que só faz merda; e Jon Snow, que continua tentando encontrar seu lugar no mundo e, apesar de crescer na Patrulha da Noite, termina com uma possibilidade realmente intrigante para seu futuro. Sim, eu acredito firmemente que o destino de Jon Snow é tomar o lugar de Mance Rayder e tornar-se o sexto rei, o Rei Além da Muralha. E isso seria ÉPICO.

Aliás, divagando um pouco. Jon e Daenerys são os personagens mais deslocados de toda a saga. Até agora são os únicos que se mantêm mais distantes das intrigas políticas e guerras do mundo. São parte dos fatos, mas minimamente atrelados a eles. PORÉM, são os que parecem mais envoltos pela jornada de crescimento e descoberta dos heróis, uma jornada que deve levá-los ao ápice da saga. Talvez até mesmo juntos. Muitos se perguntam se há protagonistas na história de George Martin. Sim, há. São eles dois. O bastardo e a exilada. Aqueles que podem mudar o mundo como é visto nesse segundo livro. Que podem tornar-se Rei do Norte e Rainha de Westeros. Os verdadeiros reis. Jon e Daenerys. Gelo e Fogo.

Pra que Serve o PIB?



Site da UNE conversou com o economista Gonzaga Belluzzo sobre a relação entre desenvolvimento social , PIB e o modelo de desenvolvimento do país.


“Porque uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e para seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto, é a capacidade do país, do governo e da sociedade de proteger o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e adolescentes”. Essa afirmação foi proferida pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, na última quinta-feira (12), em Brasília, durante a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente para rebater um questionamento relativo à diminuição da estimativa de crescimento do PIB para 2012 em relação ao desenvolvimento do país.

De acordo com o relatório Focus, divulgado pelo Banco Central (BC), a estimativa dos analistas para o crescimento do PIB em 2012, pela primeira vez no ano, recuou para menos de 2%– passou de 2,01% para 1,90% na semana do dia 9 ao 14 de julho.

A fala da presidente despertou um debate em torno do valor que uma medida como o PIB tem ao se analisar, de fato, o crescimento e desenvolvimento do Brasil. “O PIB é um indicador muito limitado, e o crescimento por si só não diz nada. E claro que se não tivermos crescimento, não resolvemos outras questões, mas o simples fato de você ter uma taxa de crescimento de 10% do PIB para um país não consegue sozinho qualificar nada”, explicou o professor e economista Gonzaga Belluzzo.

A UNE também comentou o fato, no momento em que o PIB está no centro das questões levantadas pelos estudantes brasileiros: “Observamos com curiosidade essa declaração da presidenta Dillma, protestando, como sempre estivemos, por mudanças na política econômica do país. Repudiamos os cortes em setores estratégicos, repudiamos as falas recentes de ministros contra investimentos na Educação, a riqueza que queremos é bem diferente. Para o movimento social, o PIB nunca foi o mais importante. Ser a sexta ou a primeira economia do mundo nunca foi o mais importante se o país é tão carente em outros aspectos. Na verdade, devemos até nos envergonhar de estar entre as dez maiores economias e ter índices tão negativos na qualidade da educação pública, na desigualdade social, na inclusão da juventude.”

10% DO PIB PARA EDUCAÇÃO: O PAÍS VAI QUEBRAR?

 A afirmação da presidente também foi proferida num contexto em que estudantes e demais setores do movimento social travam uma legítima batalha com o governo para que o Plano Nacional de Educação (PNE) seja aprovado com urgência e para que em seu texto esteja definida uma verba de investimentos no setor de 10% do PIB. Por entenderem que educação de qualidade é um dos pilares para o verdadeiro desenvolvimento, os movimentos lutam pelo PNE como uma caminho para uma sociedade mais justa e democrática, com mais acesso à universidade e menor desigualdade social.

No último dia 26 de junho, um importante passo foi dado nessa direção: O PNE com 10% do PIB foi aprovado, pela Câmara dos Deputados. O projeto segue para o Senado, retorna à Câmara para ser ratificada em Plenário e, finalmente, vai à sanção da presidenta Dilma Rousseff.

Ao que tudo indica, a conquista tratou-se de uma batalha vencida, mas distante do fim da guerra. Após a aprovação do texto, o ministro da Fazendo, Guido Mantega, declarou que “Passar [os gastos com educação] para 10% do PIB de forma intempestiva põe em risco as contas públicas. Isso não vai beneficiar a educação, vai quebrar o Estado brasileiro”. Mantega defende a proposta de elevar as despesas da pasta dos atuais 5% para 7%.

Nesse contexto confuso, fica a pergunta: poderia um investimento mais robusto em educação quebrar um país, que ocupa a sexta posição no ranking de maior economia do mundo? O professor e economista Gonzaga Belluzzo discorda: “Não é o caso. Ele (o ministro) usou uma força de expressão. O que notamos no mundo hoje uma desvalorização da questão da educação, por exemplo, em diversos países, não somente no Brasil. Essa é a lógica perversa”, acrescentou o economista.

MODELO DE DESENVOLVIMENTO: QUEREMOS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

O presidente da UNE Daniel Iliescu vê com preocupação o panorama internacional e aponta os investimentos em educação como saída possível para o Brasil se desenvolver a longo prazo:

“Em momentos de crise internacional, e vale ressaltar que essa é uma crise que coloca em cheque todo um modelo econômico mundial, é muito perigoso que alguns governos façam a opção pela redução de direitos. Não deixaremos o Brasil se iludir nesse sentido, estaremos mobilizados para demonstrar ao governo o tipo de desenvolvimento que queremos, que é o desenvolvimento humano, de cada família, de cada jovem, principalmente pela via da educação pública e de qualidade.”

 Belluzzo colocou em cheque o desenvolvimento do país: “Temos que fazer um debate muito sério sobre educação e sobre o destino que os que foram formados pelo seu sistema educacional. Isso é o que importa. Temos que ter um projeto de formação e educação, sobretudo nos níveis mais básicos, onde estão as maiores deficiências”.

Assumindo a precariedade do PIB como indicador de desenvolvimento do Brasil, Belluzzo reforçou a necessidade de investir em educação para diminuir a desigualdade do país: “A ideia de que vamos crescer sem base de educação formal e cultural para os nossos brasileiros é errada. Esse crescimento sozinho não basta, como experimentamos por muitos anos. Isso não levou a uma maior igualdade e desenvolvimento social. Tem que haver um esforço. Todos falam que educação é importante, mas na hora do vamos, ver ninguém faz”. Fica o recado.

Camila Hungria

domingo, 1 de julho de 2012

Intolerância




No Brasil, é costume dizer que futebol, religião e política não se discutem, mas frequentemente estes temas norteiam alguns debates na sociedade. Dentre eles, a religião é o que a neutralidade prevalece em maior escala. As pessoas possuem sua religião ou opiniões acerca desse assunto, porém se recusam ao diálogo sobre o tema.
Justamente a falta de diálogo alimentada pelo etnocentrismo vem construindo atitudes de intolerância religiosa no decorrer da história da humanidade. (...) Tratando-se do Cristianismo e do Judaísmo, estas religiões desencadearam momentos de ódio irracional e intolerância.
Após quase 2 mil anos de conflitos, a reaproximação de judeus e cristãos somente foi iniciada com o Concílio Vaticano II(...). Este Concílio estabeleceu-se como ponto inicial de uma nova fase de diálogo e relações entre a Igreja Católica e a comunidade Religiosa Judaica. Mesmo referindo-se especifiamente ao Judaísmo, o Concílio expressou um ponto fundamental para o respeito às diversas manifestações religiosas; em vez de ressaltar as diferenças entre o Cristianismo e o Judaísmo, ele recordou o vínculo espiritual entre elas e que está espiritualmente ligado à descendência de Abraão.
O Concílio Vaticano II foi um marco e sendo a religião o universo mais prural da condição humana, é essencial a pesquisa na área das crenças religiosas. Em meio a diversidade, certamente, há associações que levam não apenas às diferenças entre elas, como também às semelhaças. Semelhanças que geralmente ficam ofuscadas por uma camada de intolerância. No caso do Judaísmo e do Cristianismo, elas tiveram a mesma origem, mas em algum momento da história se separaram e ainda assim, acreditam no mesmo Deus ou D-us, baseiam-se no mesmo livro – a Bíblia (que os judeus chamam de "Tenak" e os cristãos de "Antigo Testamento"), entre outros aspectos.
Na verdade, as diferenças religiosas em si não provocam conflitos. São as interpretações e as significações a que as diferenças são submetidas que geram atos de intolerância religiosa. Religiões, que talvez não possuam mesma origem podem mostrar-se semelhantes em valores e crenças, mudando-se apenas as formas de manifestação. Para tanto, é necessário pesquisar, conhecer e respeitar.

Tempo




O tempo nos engole
quando mais precisamos dele,
voraz.
Ele não sabe esperar, pelo contrário,
atropela quem fica para trás,
cruelmente.
Há lugares, porém,
onde ele se arrasta,
deixa-se saborear
e demora a passar,
caminha lentamente.
Como explicar?
Quem nos devora?
O tempo ou a vida?
Os homens ou os lugares?
Todos são culpados?
Haverá realmente culpados?

Quero mais...



Quanto mais conheço as coisas do mundo,
mais reconheço que pouco sei.
É imensa a sede de saber.
Ora quero entender isto.
Ora quero aprender aquilo.
Inspiração. Respiração.
É agora. Sei que tem de ser assim.
Cada degrau da escada emite
um ruído quando subo;
dá vontade de parar e observar
quantos ficaram para trás.
Tem de ser assim.
Se paro, não ouço mais os ruídos na madeira,
tampouco reconheço as pegadas em frente.
Respiro.
Sigo.