quinta-feira, 28 de junho de 2012

O vira-lata como psicanalista das massas.


Tom Waits,artista que sempre falou com os cães sob a tempestade
Observei a cena ontem por uns 45 minutos, um tempo de um jogo de futebol. Um pobre farrapo humano em desabafo da vida com o seu cachorro magro.
Debaixo do Minhocão, na altura do Largo do Arouche, centro de SP. Haja fala. Muita falação e, por alguns instantes, lágrimas.
Aqueles sufocantes soluços de homem quando chora. Lágrimas de represa. O coração de um homem, de tanto não desaguar por orgulho macho, é uma verdadeira Guarapiranga da existência.
Não havia mal-dizer algum sobre a situação de penúria. Isso não maltrata tanto quanto o que interessa: as dores amorosas. A mulher dele havia ido. Era tarde para o moço, ali por volta dos seus 30 e poucos anos, batucar um samba de regeneração na caixinha de fósforo, era tarde para mudar a conduta de vadiagem.
O seu vira-lata, só o couro e o osso, ouvia a sua narrativa com a solenidade de um Sigmund Freud. Uma sessão completa.
No que lembrei. Já havia falado sobre o tema em crônica antiga. Depois de uma  prosa molhada com a melhor bagaceira de Salinas, aquela que entorta as pernas e endireita a alma, com o compay e parceiro do cinema Cláudio Assis.
“Compadre, já falei muito pra cachorro!”, dizia o diretor de “Febre do Rato”. Compreendo.
Já reparou, meu caro, como tem sempre um miserável se queixando da vida para o seu cachorrinho magro debaixo do viaduto?
Sim, senhores, psicanálise de pobre é blasfemar para o cão amigo.
O danado não fala nada, mas nos ouve que é uma beleza, presta mais atenção do que uma sábia coruja.
Falamos por horas, infinitas sessões pelo custo de um osso, o mesmo da sopa, aquele clássico osso que desce e sobe na cordinha gasta da rotina em molambos.
O vira-lata é o analista dos feios, sujos e malvados.
A mulherzinha, também só o fiapo de gente, foi embora com outro vagabundo mais miserável ainda? É com o cachorro que desabafamos, não com um semelhante, que ainda é capaz de espalhar e fazer chacota do nosso humaníssimo chifre.
Claro que o cachorro um dia nos dá alta, enche o saco, finge que estamos curadíssimos, saudáveis até os miolos, não suporta mais as repetidas malices.
O cão, assim como Diógenes, o filósofo grego envelhecido no mais cínico dos barris de carvalho, como me contou o amigo Duda Fonseca, não suporta algumas frescuras humanas, como a ressaca moral, por exemplo.
O bicho não trabalha com tais imbecilidades.
Ora, ressaca somente a física, aquela capaz de aniquilar um homem depois dos seus 40 janeiros.
Aquele estadão das coisas que mais parece uma dengue existencialista. A ressaca, colega, depois dos 40, é de uma tristeza sartreana.
No mais, o cachorro é tão paciente quanto qualquer figurão da nossa sociedade psicanalítica. Melhor até do que os grandes garçons, também exímios na arte de ouvir os corações aflitos.
No tempo em que só pagando nos escutam, viva e viva o vira-lata.
Não, amiga, os poodles não servem, tampouco os cães treinados para a segurança patrimonial da empresa ou da família. Para efeitos terapêuticos, quanto mais vagabundo mais eficiente no divã canino.
Pedigree só atrapalha.

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