A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, 2011) é uma
monstruosidade cinematográfica elevada à perfeição por seu criador, Pedro
Almodóvar. O filme, baseado no livro Mygale (1995), do francês Thierry Jonquet,
conta a surpreendente história do Dr. Robert Ledgard (Antonio Banderas).
Durante anos, ele mantém aprisionada sob seus “cuidados” uma paciente chamada
Vera Cruz (Elena Anaya). Por causa da morte de sua mulher em um acidente de
carro, o médico se dedica obsessivamente a experimentos cujo objetivo é cultivar
uma pele que seja invulnerável contra qualquer tipo de agressão. E ele não mede
esforços para alcançar seus objetivos e não tem escrúpulos ao usar Vera em seus
controversos experimentos. Em sua jornada, ele ainda recebe ajuda da Marilia
(Marisa Paredes), a mulher que cuidou de Robert desde o dia em que ele nasceu e
hoje é sua cúmplice mais fiel. Mas quem é Vera e como ela acaba nas mãos do Dr.
Legard é um grande mistério, cuja verdade pode ser mais terrível do que se pode
imaginar.
É nesta atmosfera com toques noir que transcorre este
thriller perturbador sobre as nuances da vingança e até onde pode chegar a
mania de grandeza de um ser humano. Almodóvar faz um trabalho admirável na
direção, com cenas muito bem filmadas e chocantes que agregam valor ao clima
insano da trama. As complexas reviravoltas que acontecem no roteiro surgem
trazendo impressionantes surpresas e a forma como o diretor lida com este
mistério é de tirar o chapéu. As revelações vêm tão naturalmente que despertam
um ultraje genuíno. É o tipo de filme que arranha o estômago. Almodóvar não
apenas apresenta um vilão superficial a ser desmascarado no final, mas constrói
sua loucura e mostra toda a tragédia que ele teve de suportar até chegar àquele
estado crítico.
Antonio Banderas, que já trabalhou com o diretor em
Ata-me (1990), está excelente como um cientista que não é um louco caricato e
cheio de excessos, mas um cara inteligente, frio e calculista. A mente do
personagem é um verdadeiro labirinto a ser percorrido pelo espectador, quase tão
complexo quanto Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de O Médico e o Monstro (1886). Ele é um
homem apaixonado pelo trabalho e por seus entes queridos, mas indiferente ao
que vai além. Ao mesmo tempo, ele não é um simples sociopata. Ele está a
serviço da ciência, dedicado a descobrir algo que vai revolucionar o mundo e
está disposto a fazer sacrifícios para isto, ainda que ele não seja o
sacrificado. Sua interação com Marisa Paredes torna sua personalidade ainda
mais complexa e a atriz demonstra uma segurança extraordinária em cena.
Este filme é uma espécie de Frankenstein moderno e traz
muitos elementos que tornaram o monstro de Mary Shelley famoso, especialmente o
olhar apurado sobre as linhas tênues que separam os conceitos de bem e mal.
Porém, aqui, a monstruosidade é mais sutil. A beleza que cerca a atmosfera do
filme e seus personagens contrasta fortemente com os segredos macabros que eles
carregam. Mesmo a violência (normalmente brutal) e os procedimentos cirúrgicos
são mais incômodos do que grotescos, sem muito derramamento de sangue.
Basicamente, o clima é como a pele que o médico tenta criar: deslumbrante e
impenetrável, mas que esconde a feiura das camadas interiores. É quase uma
reflexão sobre o nosso interior contra a vida exterior. Não há como negar que
Almodóvar tem tato para lidar com as sutilezas do horror, como era no
supracitado Frankenstein (1831), e com os conceitos mais mundanos e imagéticos,
como era, por exemplo, na série Nip/Tuck (2003). A estranheza chama a atenção.
A verdadeira natureza da trama revela as minúcias da monstruosidade, que é
revelada aos poucos e, por isso mesmo, causa ainda mais impacto. A Pele Que
Habito não é um filme de terror convencional. Não provoca gritos ou causa medo,
mas deixa uma sensação angustiante de mal-estar. Quase como uma doença. Quase
como a loucura. É o terror em sua mais pura essência.