O Senhor O’Brien (Brad Pitt) é um pai que educa seus
filhos com excessiva rigidez e, constantemente, bate de frente com a educação
mais amena provida pela esposa (a belíssima Jessica Chastain). Ela desaprova
este postura porque é uma pessoa mais carinhosa, que acredita no afeto para com
os filhos e no amor ao próximo, enquanto O’Brien acredita que, na vida, os
fortes triunfam e os íntegros demais perecem. Duas pessoas diferentes que
conduzem os caminhos de três filhos até o dia em que um deles morre e eles são
obrigados a rever todos os seus conceitos. Entretanto, o filho mais velho
(Hunter McCracken) já está marcado pela ambiguidade de sua criação e a
influência do pai e da mãe que brigam em seu interior pesam sobre sua índole,
que oscila entre a raiva e a integridade. A trama acompanha as ramificações que
forma a árvore que compõe a origem desta família entrecortada por momentos de
pura reflexão sobre a origem do mundo e da existência dos seres, desde os
organismos primitivos até os humanos.
Apesar do forte teor poético, Terrence Malick mantém uma
tênue ligação entre todos os signos de sua obra, pois sempre usa a evolução do
mundo e a influência atribuída a Deus na criação para aludir o estilo de vida e
os conflitos (físicos e espirituais) da família. Num momento, ele lança a
pergunta sobre o porquê de Deus tratar seus filhos com tanto descaso, para
depois exaltar a agressividade de O’Brien para com seu filho. Do outro lado, a
mãe acalenta os filhos e aquieta seus corações inspirada pela bondade que advém
de suas crenças. Como ela mesma diz no começo da narrativa: “Existem duas
maneiras de se viver. A maneira da natureza, e a maneira da graça”. É a relação
entre pais e filhos, ora tempestiva ora compassiva. E não seria este também o
significado de acreditar em algo… seja na superioridade de uma entidade
sobrenatural seja na superioridade de uma figura paterna?! Qual seria realmente
a diferença entre ambas?! Tudo é apresentado de forma bastante conceitual e
imagética, com linhas de diálogo simples que fazem as vezes de narração. Além
disso, o drama é adornado pela divina comédia da existência humana, na qual os
humanos, mesmo depois de eras, ainda não foram capazes de compreender o real
valor da vida e vivem apenas para sobreviver um dia após o outro. Neste
contexto, somente a morte é capaz de abalar as estruturas vigentes, pois o ser
humano não está pronto para as mudanças que a morte traz e, ao mesmo tempo, só
é capaz de perceber que as mudanças são essenciais quando o sofrimento pela
perda de um ente querido se abate sobre suas almas e lembra-lhes o quão finita
é a vida.
A obra-prima encontra completude em suas nuances
técnicas. A supracitada beleza visual é de um apuro estético que dá
plasticidade as cenas, especialmente nas cenas referentes à criação. É
impossível não pensar que uma energia vibrante e renovadora atua em todas as
coisas, desde a erupção de um vulcão até o arrebentar de uma onda, independente
da crença na existência ou não de uma força superior. É apenas a pura dádiva da
vida. As imagens são lindas e tornam ainda mais tangível os enigmas da
existência. O som enaltece o teor reflexivo, com a trilha sonora de Alexandre
Desplat trabalhando em uníssono com as imagens e a serviço dos ideais do filme.
A edição alterna entre momentos de ternura e de tensão da família, imprimindo
expressividade aos personagens e o ritmo se mantém lento, num estilo que lembra
o modo europeu de fazer cinema dramático, até que breves rompantes de dinamismo
tiram o público da reflexão. A lentidão, no entanto, torna-se cansativa em
alguns momentos. A primeira metade de filme é quase parada e a trama só engrena
de verdade no segundo ato, quando os conflitos familiares ganham a tela.
Por fim, a última parcela desta composição é o elenco.
Brad Pitt e Sean Penn, que já possuem um gosto pessoal por filmes autorais,
mostram a qualidade habitual de interpretação. Pitt à medida que ganha rugas no
rosto também adquire rugas de experiência. Ele se supera em cada papel e
surpreende por mostrar sua versatilidade como o ríspido Senhor O’Brien. Já Penn
tem uma participação menor e bem mais simbólica. Suas cenas são consequência
dos acontecimentos que vivenciou com a família durante sua infância. Os
destaques do longa, entretanto, ficam com Hunter McCracken e Jessica Chastain.
McCracken interpreta o filho mais velho Jack, que se sente preterido em relação
ao irmão mais novo, que parece mais talentoso em tudo que faz e mais respeitado
por isto. Jack é a vítima dos maus-tratos do pai e, por isso, através de seus olhos,
vemos um mundo agressivo, onde as cobranças são incessantes e o carinho para
com os outros é sempre uma obrigação. Ele ama e odeia sua família e sua mente
infantil guerreia por causa disto. Quando a maturidade vem, resta-lhe apenas a
visão opressora do mundo e a solidão mesmo quando acompanhado de uma linda
mulher. O ator mirim consegue expressar este eterno conflito com habilidade de
gente grande. Já Chastain é a representação máxima da beleza e do carisma da
produção — sua interpretação é sóbria e imponente. Sua personagem é o epíteto
da árvore da vida, é o caule que se mantém firme e plácido ante os galhos
inquietos que se amotinam uns contra os outros a todo instante. Ela é como uma
conexão para todas as coisas que permeiam a história: pais e filhos, matéria e
espírito, vida e morte, ingenuidade e malícia, fé e descrença. Ela é a
contemplação encarnada.
A Árvore da Vida confecciona imagens magníficas que
captam a vida como pouco se vê no cinema, uma qualidade visual que, aliás,
lembra um pouco o recente Melancolia (2011). Porém, enquanto Lars von Trier
ilustra a depressão e martela que o espírito humano está fadado ao fracasso,
Terrence Malick abraça a compaixão e a esperança, mostrando que há sim uma
chance de salvação e, sobretudo, redenção. A Árvore da Vida, como uma ópera
regida e orquestrada com os mais suaves e precisos toques, é uma experiência
mágica e comovente.
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