Na situação atual, nossa principal tarefa não é imaginar
mundos melhores, mas pensar em como evitar piores. O tipo de intelectual que
delineia grandes horizontes idealizados e improváveis talvez não seja a pessoa
a quem mais devemos prestar atenção.
por TONY JUDTT
A atividade intelectual é um pouco como a sedução. Se
você for direto ao alvo, é quase certo que não seja bem-sucedido. Se quiser ser
alguém que contribui para os debates históricos mundiais, é quase certo que não
tenha êxito se já começar contribuindo para os debates históricos mundiais. A
coisa mais importante a fazer é falar sobre as coisas que têm, por assim dizer,
ressonância histórica mundial, mas no nível em que você é capaz de ser
influente. Se a sua contribuição à conversa for então captada e se tornar parte
de uma conversa maior, ou parte de conversas travadas também em outros locais,
tanto melhor.
Assim, não penso
que os intelectuais façam bem falando sobre a necessidade de que o mundo seja
democrático, ou sobre a necessidade de que os direitos humanos sejam mais
respeitados mundo afora. Não que essas declarações sejam pouco desejáveis, mas
o fato é que elas contribuem muito pouco, seja para a consecução do objetivo,
seja para incrementar o rigor da discussão. Mas, se a mesma pessoa mostrar exatamente
o que há de imperfeito na democracia e nas democracias, estará lançando uma
base muito melhor para a argumentação de que a nossa é uma democracia que as
outras deveriam ser incentivadas a emular. Dizer meramente que a nossa é uma
democracia ou dizer que não estou interessado na nossa, mas quero ajudar a
construir a sua, provoca a resposta: bem, vá em frente, conserte a sua e então
talvez consiga uma plateia estrangeira, e por aí vai. Para sermos
internacionais, temos primeiro que ser nacionais.
Com o que deveríamos estar nos preocupando hoje? Estamos
no final de um ciclo muito longo de avanço. Um ciclo que começou em fins do
século XVIII e que, não obstante tudo o que ocorreu desde então, continuou
essencialmente até os anos 1990: a contínua ampliação do círculo de países
cujos governantes são compelidos a aceitar algo como o regime da lei. Creio que
isso foi abafado, a partir dos anos 1960, por duas expansões distintas, mas
relacionadas: a da liberdade econômica e a da liberdade individual. Estes dois
últimos desenvolvimentos, que parecem estar relacionados com o primeiro, são na
verdade potencialmente perigosos para ele.
Vejo o século atual como um século de crescente
insegurança suscitada parcialmente por uma liberdade econômica excessiva,
usando a palavra liberdade num sentido muito específico, e a crescente
insegurança provocada também por mudanças climáticas e Estados imprevisíveis.
Como intelectuais ou pensadores políticos, é provável que nos vejamos
confrontados com uma situação na qual nossa principal tarefa não é imaginar
mundos melhores, mas pensar em como evitar piores. E essa é uma espécie
ligeiramente diferente de situação, na qual o tipo de intelectual que delineia
grandes quadros de situações idealizadas e improváveis talvez não seja a pessoa
a quem mais vale a pena dar ouvidos.
Talvez nos vejamos perguntando como podemos defender
direitos legais, constitucionais ou humanos estabelecidos, normas, liberdades,
instituições e assim por diante. Não estaremos perguntando se a Guerra do Iraque
era uma maneira boa ou má de levar democracia, liberdade, o mercado etc. ao
Oriente Médio, mas sim: era um empreendimento prudente, mesmo que alcançasse
seus objetivos? Pensemos no custo da opção: o potencial perdido que poderia ser
utilizado para alcançar outras coisas com recursos limitados.
Tudo isso é duro para os intelectuais, a maioria dos
quais se imagina defendendo e propondo grandes abstrações. Mas penso que nas
próximas gerações o modo de defender e propor grandes abstrações será defender
e cuidar de instituições, leis, normas e práticas que encarnam nossos melhores
esforços em relação a essas grandes abstrações. E os intelectuais que se
importarem com elas serão as pessoas que terão mais importância.
Timothy Snyder: Não é que o sujeito deva sair falando
sobre democracia ou espalhando-a por aí, mas sim entender que se trata
precisamente de uma coisa muito delicada, feita de pequenos e frágeis
mecanismos e práticas. Um dos quais é garantir que os votos sejam computados.
e você observar a história das nações que maximizaram as
virtudes que associamos à democracia, notará que o que veio primeiro foi a
constitucionalidade, o império da lei e a separação de poderes. A democracia
quase sempre veio depois. Se entendermos por democracia o direito de todos os
adultos participarem da escolha do governo que vai dirigi-los, isso foi implantado muito tarde –
no meu tempo de vida, em alguns países que hoje vemos como grandes democracias,
como a Suíça, e certamente, no tempo de vida de meu pai, em outros países
europeus, como a França. Portanto, não devemos dizer a nós mesmos que a
democracia é o ponto de partida.
A democracia está para uma sociedade liberal bem-ordenada
como um mercado excessivamente livre está para um capitalismo bem-sucedido e
bem regulado. A democracia de massa numa era de meios de comunicação de massa
significa, por um lado, que você pode revelar muito rapidamente que Bush roubou
a eleição de 2000, mas, por outro lado, que grande parte da população não está
preocupada com isso. Ele teria menos condições de roubar a eleição numa
sociedade liberal e antiquada do século XIX, baseada num sufrágio mais
restrito: as relativamente poucas pessoas de fato envolvidas teriam se
importado muito mais. Portanto, pagamos um preço pela massificação de nosso
liberalismo, e deveríamos compreender isso. Não é um argumento em favor do
retorno ao voto restrito ou a duas classes de eleitores, ou o que isso
signifique – os informados e os desinformados. Mas é um argumento em favor da
compreensão de que a democracia não é a solução para o problema das sociedades
não livres.
Timothy Snyder: Mas não seria a democracia um bom
candidato para um século mais pessimista? Porque ela é, creio, melhor defendida
como algo que impede o surgimento de sistemas piores, e melhor enunciada como
política de massa capaz de garantir que as pessoas não serão enganadas da mesma
maneira o tempo todo.
máxima de Churchill de que a democracia é o pior sistema
possível, com exceção de todos os outros, encerra alguma verdade, ainda que
limitada. A democracia tem sido a melhor defesa em curto prazo contra
alternativas não democráticas, mas não é uma defesa contra suas próprias
deficiências genéticas. Os gregos sabiam que a democracia não é muito passível
de sucumbir aos encantos do totalitarismo, do autoritarismo ou do poder
oligárquico; ela é muito mais passível de sucumbir a uma versão corrompida de
si própria.
As democracias se corroem bem depressa; elas se corroem
linguisticamente, ou retoricamente, se você preferir – é esse o argumento de
George Orwell quanto à linguagem. Elas se corroem porque a maioria das pessoas
não se preocupa muito com elas. Note que a União Europeia, cujas primeiras
eleições parlamentares, realizadas em 1979, tiveram um comparecimento médio de
62%, está agora temendo um comparecimento de menos de 30%, embora o Parlamento
Europeu hoje tenha mais importância e mais poder. A dificuldade de sustentar o
interesse voluntário na questão da escolha das pessoas que vão governar você é
algo bem patente. E a razão pela qual precisamos de intelectuais, bem como de
todos os bons jornalistas que pudermos encontrar, é preencher o espaço que
cresce entre as duas partes da democracia: os governados e os governantes.
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