domingo, 19 de agosto de 2012

Dia do Historiador!



A que postura ideal somos convidados a ter no Dia Nacional do Historiador? Há algo de irônico nisso, algo de silencioso, de castrado, algo de museu. A necessidade de instituir um marco também para a categoria profissional da história parece embebida do espírito destes tempos, em que através da memória oficial encontramos a legitimidade de nossos papéis sociais e podemos continuar quietos, satisfeitos de nossa condição. Neste quadro, coube ao historiador a ilusão de precisar a direção do tempo, que fluiria do passado para o futuro, afeito à variedade classificada, protegida dos horrores da desorientação, da incerteza, das ambigüidades e ironias que desde sempre constituem o tempo.

Talvez seja necessário retirar da história parte do peso de carregar um passado coerente e preciso, fundamento mais seguro das identidades. Equivaleria a distribuir as chaves para um universo que não precisa acabar, no qual o homem é destituído de uma posição de domínio, de um modo de ser determinado por conjuntos de variáveis mais ou menos previsíveis, pois que alicerçadas em colonizadas relações de unidade e identidade.

Há mais de 500 anos um enorme contingente de pessoas caminha entre o mito do paraíso perdido e as descobertas mais fantásticas no campo das ciências e tecnologia, da economia mundial, e da comunicação extravagantemente massiva. A vida tem sido tecida por múltiplos processos sociais que garantem a manutenção dessas condições, aspiração e profundo desejo de um futuro desenvolvido e eternamente mais moderno. E neste amplo arco de um conceito um tanto oportunista de “modernidade” consideramos os encurtamentos geográficos e as aproximações étnicas, a estigmatização dos conflitos de classe, raça e nacionalidade, religião e ideologia, na esperança de alcançar o comando da própria história.


Reconhecimento

Da aventura do descobrimento humano nos séculos XV e XVI, a inelutável sociedade “global” contemporânea, o problema do reconhecimento e da demarcação das identidades culturais combinou-se a um desejo de modernização social e desenvolvimento econômico a-históricos, pois que diluídos em fragmentários caminhos distantes de qualquer referência de transformação que marcou esses séculos de experiências. A linha reta do passado institucionalizado chamou de civilização a exclusão política, e de tolerância cultural, o racismo das opções modernas de inclusão.

O Ocidente tornou-se o lugar por excelência da liberdade, desde que as diferenças identitárias estejam devidamente elencadas e asseguradas pela lei – cujo argumento fundamental tem sido repetidamente a História. Ao mesmo tempo, do espírito moderno de ruptura que marcou finais do século XIX, não cultivamos atualmente qualquer referência, profundidade ou sentido e começamos a nos chamar de pós-modernos, decretando o fim daquela história, novamente, como se isso fosse possível. Formatamos o inconsciente individual e o acaso histórico, o desejo pessoal de mudança e a democracia participativa em um capítulo da história em direção a uma infinidade de novas, atraentes e perturbadoras experiências e memórias incapazes, contudo, de nos municiar da compreensão de quem somos e qual o nosso lugar.

No Brasil, ora discutimos no campo político a verdade unívoca de capítulos de nossa história, comemoramos de forma perturbadora a chegada do futuro sem demonstrar qualquer empatia pelas já antigas lutas de classe, lutas sociais, conflitos e contradições psicológicas que constituíram gerações tragadas por um passado de datas e monumentos, mas sem qualquer conexão com a imagem futurista de nosso presente. O modelo ideal de sociedade responsabiliza a agitação social e suas incertezas por um fracasso determinista confinado às histórias contadas nas salas de aula, às bibliotecas universitárias, aos museus e patrimônios culturais, distantes, portanto, da ampla sensibilidade social, das ruas, do espaço público e da memória, na qual todos os sentimentos humanos de senso de pertencimento, compreensão e atividade, sexualidade e desejos podem ser inventados e reinventados todos os dias de acordo com as necessidades e interesses pessoais.

Diante disso, talvez a ambigüidade do conhecimento histórico, a consciência da incerteza do progresso, do acaso e do devir devam ser postas em causa. Deixemos por um momento a homenagem mais problematizadora do estudo do passado, para abrir mais espaço ao erro e a ilusão, obscurecidos pelo desejo colonial de modernidade. Que as oportunidades de mobilidade e transformação moral desde muito sonhadas, assim como a incansável busca de crescimento econômico e humano não lancem nossa secularidade a categorias cristalizadas em datas e acontecimentos. Mas que o dia de hoje seja mais uma chance de reflexão sobre nossos vínculos emocionais com uma imensa trajetória de lutas, diversidade e possibilidades de vida, de valores, de alternativas de futuro.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Participação das Mulheres na Revolução Francesa




A atuação das mulheres na Revolução Francesa foi marcada por uma marcha que forçou o rei a deixar Versalhes
Na história tradicional da Revolução Francesa, os grandes personagens são homens: Maximilien de Robespierre (1758-1794), Georges Jacques Danton (1759-1794), Jean-Paul Marat (1743-1793). Uma mulher brilha nos relatos, porém do lado da realeza: a rainha Maria Antonieta (1755-1793). Mas a participação feminina foi muito mais importante do que se imagina. "Sua presença na cena política foi tolerada e até incentivada no início da Revolução, porém reprimida em outubro de 1793, e depois novamente, de forma definitiva, em 1795", afirma a pesquisadora Tania Machado Morin em uma tese a respeito do assunto, defendida na Universidade de São Paulo - e um dos raros estudos sobre o tema já publicados no Brasil.

As mulheres fundaram clubes políticos, discursaram na Assembleia Nacional, participaram das jornadas revolucionárias. Mas, acima de tudo, foi um grupo de 7 mil mulheres do povo que marchou 14 quilômetros de Paris a Versalhes, sob chuva, para protestar contra a escassez de pão, gritando: "Vamos buscar o padeiro (o rei), a padeira (a rainha) e o padeirinho (o príncipe delfim)". A Marcha das Mulheres alcançou o objetivo de trazer o rei Luís XVI e sua família para Paris. Poucos dias depois, a Assembleia Nacional também se mudou para a capital.

Esse período de ativismo político foi pouco estudado até os anos 1980, quando as comemorações do bicentenário da Revolução Francesa impulsionaram as pesquisas sobre o tema e fizeram justiça à ação pioneira das cidadãs revolucionárias francesas.
Influência e liderança.

Antes de 1789, só mulheres da aristocracia tiveram poder. Depois, surgiram lideranças nas classes populares e entre a burguesia.
Os irmãos Edmond (1822-1896) e Jules Goncourt (1830-1896) escreveram - com uma dose de exagero - sobre a mulher da aristocracia francesa no século 18: "Ela tinha o rei da França ao seu alcance; dava ordens na corte, mantinha as alianças políticas, a paz e a guerra, a literatura, as artes e a moda nas dobras de sua saia. Do começo ao fim do século, o governo da mulher foi o único governo visível e apreciável". Parte dessa descrição poderia se aplicar a madame de Pompadour, amante do rei Luís XV (1710-1774) durante 20 anos. A partir de 1789, em meio à efervescência social e política, uma geração de revolucionárias entrou na cena política. Muitas vinham das classes populares e tiveram papel importante em vários momentos cruciais da Revolução (leia abaixo).

Surgiram as primeiras vozes feministas (o termo nem existia na época), como Olympe de Gouges (1748-1793), que escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, dizendo que, se a mulher tinha o direito de subir no cadafalso, também deveria ter o de subir na tribuna. Foi guilhotinada em 1793, acusada de se esquecer das virtudes de seu sexo. A baronesa holandesa Etta Palm d'Aelders (1743-1799) fez discursos em defesa dos direitos políticos da mulher, da educação feminina e do divórcio. Considerada suspeita, fugiu para a Holanda. Théroigne de Méricourt (1762-1817) declarou que as mulheres se armariam para mostrar aos homens que não tinham menos coragem que eles. Pronunciada louca em 1794, foi internada num hospício feminino até a morte.

Mas foi na Marcha a Versalhes de 5 e 6 de outubro de 1789 que as mulheres irromperam na cena pública como protagonistas políticas. As militantes causaram escândalo dentro e fora da França e medo nas autoridades, que decretaram a lei marcial para pacificar a rebelião a força. "A marcha marcou o início do ativismo das mulheres do povo e sua integração ao movimento de massa revolucionário, coisa inédita na França e na Europa da época", diz a pesquisadora Tania Morin. Em agosto de 1792, muitas participaram do ataque ao palácio das Tulherias, em Paris, onde morava a família real desde 1789. O acontecimento levou à destituição e prisão do rei e ao início do regime republicano na França.

Em 1793, Claire Lacombe e Pauline Léon fundaram o principal clube político feminino da Revolução: a Associação das Republicanas Revolucionárias. Elas reivindicavam o porte de armas para defender a pátria dos inimigos internos (um direito exclusivo dos cidadãos). À época, havia 60 clubes políticos femininos ou mistos espalhados pelo país. Em outubro de 1793, todos foram fechados e Pauline Léon passou seis meses na prisão.

Em maio de 1795 havia fome na capital. Suicidas se atiravam no rio Sena, inclusive mães com filhos pequenos. Exasperadas pelo racionamento de pão e pela não aplicação da Constituição democrática de 1793, as mulheres dos bairros operários, apelidadas de "bota-fogos", instigaram um levante popular contra o governo da Convenção Nacional. Foi a gota d’água. A insurreição foi derrotada e as mulheres, alijadas da política nacional. A repressão severa é a maior prova de que elas incomodaram seriamente a ala masculina da Revolução.
Igualdade entre os sexos.

Os principais momentos da revolução e a participação feminina

1789-1790
Mulheres escrevem numerosas cartas e panfletos pedindo educação, treinamento profissional e igualdade para homens e mulheres perante a lei.

1789
5 de maio: Abertura dos Estados Gerais.
14 de julho: Tomada da Bastilha. Entre os combatentes, ficaram registrados vários nomes de mulheres.
26 de agosto: Os deputados aprovam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
5 e 6 de outubro: Marcha das mulheres para Versalhes. O rei Luís XVI é forçado a se mudar para Paris.

1790 

2 de fevereiro: Surge a associação política Sociedade Fraternal dos Patriotas dos Dois Sexos.

19 de junho: A Assembleia Nacional suprime a nobreza hereditária, os títulos e os brasões.

3 de dezembro: Luís XVI escreve ao rei da Prússia para pedir apoio.


1790-1791

Formação de associações políticas femininas. Os herdeiros são declarados iguais perante a lei. É o fim dos privilégios da primogenitura masculina.

1791

20-21 de julho: Fuga e prisão do rei em Varennes.

17 de julho: No Campo de Marte, massacre de manifestantes contrários à restauração do rei.

3 de setembro: Aprovação da Constituição de 1791, que inclui o sufrágio masculino censitário.

Setembro: Olympe de Gouges publica a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã.

1792

6 de março: Pauline Léon apresenta à Assembleia uma petição de 319 parisienses reivindicando a formação de uma guarda nacional feminina.

20 de abril: A França declara guerra ao rei da Hungria e da Boêmia.

10 de agosto: O palácio das Tulherias, onde morava o rei, é invadido pelo povo.

20 de setembro: Aprovação da lei do divórcio.

21 de setembro: Fim da monarquia e início da república.

1795

20 a 24 de maio: Insurreição de Prairial, instigada pelas mulheres, que gritam o lema: "Pão e Constituição!".

- A Convenção proíbe as mulheres de frequentar as assembleias e de se reunir nas ruas em grupos de mais de cinco.

26 de outubro: Fim da Convenção Termidoriana e início do governo do Diretório.

1794

4 de fevereiro: A Convenção decreta a supressão da escravidão nas colônias.

Fevereiro e março: Agitação das operárias das oficinas de fiação.

28 de julho: Robespierre e 22 seguidores são guilhotinados.

Setembro: Théroigne de Méricourt é declarada louca e internada.

1793

21 de janeiro: Execução de Luís XVI na guilhotina.

Abril: o deputado Guyomar propõe a igualdade política de homens e mulheres. Sua sugestão não é aprovada pela Assembleia.

16 de outubro: Execução de Maria Antonieta na guilhotina.

30 de outubro: Proibição dos clubes políticos femininos.

Jornada revolucionária

Depois de um dia de marcha, negociações e violência na madrugada, as manifestantes conseguiram trazer o rei Luís XVI a Paris

Em setembro de 1789, faltava pão em Paris. As autoridades nada resolviam. As mulheres ameaçavam tomar as rédeas da situação. Um incidente infeliz no palácio de Versalhes precipitou a rebelião. Em 1º de outubro, durante uma recepção da família real a oficiais do regimento de Flandres, oficiais teriam pisoteado aos risos a cocarda (insígnia militar) tricolor, símbolo da revolução, e levantado brindes à cocarda austríaca, da terra natal da rainha Maria Antonieta. Notícias e boatos a respeito da ofensa percorreram Paris como um rastilho de pólvora. A indignação do povo estava prestes a explodir.

Em 5 de outubro, as mulheres tomaram a iniciativa, batendo tambores e tocando os sinos das igrejas para reunir a multidão. Mesmo após a queda da Bastilha, o rei ainda conservava certa aura de poder divino. O povo acreditava que sua presença resolveria a escassez. Por isso, causava irritação o isolamento de Luís XVI em Versalhes. Além disso, era intolerável sua recusa em assinar decretos importantes aprovados pela Assembleia Nacional, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

As mulheres vieram em massa para o ponto de encontro na praça Luís XV, atual praça da Concórdia, armadas de lanças, foices, machados e mosquetões e puxando um canhão sem munição. Escolheram Maillard, oficial da Guarda Nacional e herói da Bastilha, para liderar a marcha. O grupo exigia a punição dos oficiais do banquete em Versalhes, o restabelecimento do suprimento de trigo e a presença do monarca em Paris. Exaustas mas vitoriosas, as mulheres do povo voltaram para a capital acompanhando a família real e trazendo a promessa de providências para a crise do pão. Como disse o escritor Jules Michelet (1798-1874): "Os homens tomaram a Bastilha, as mulheres tomaram o rei".

A ida

Reunidas e armadas, as manifestantes partiram na direção de Versalhes

1. Concentração
Uma multidão se concentra em frente ao Hotel de Ville, sede da prefeitura de Paris à época, e denuncia o prefeito Bailly por corrupção. O grupo é formado por mulheres do povo: vendedoras, lavadeiras, costureiras, artesãs.

2. A Marcha começa
Depois de tomar armas no Hotel de Ville com a ajuda de homens, o grupo se dirige à praça Luís XV, atual praça da Concórdia. A massa aumenta ao longo do percurso, atraindo militares, operários e gente da burguesia. Dali, todos partem para Versalhes, a fim de falar com o rei e a Assembleia.

3. Chegada a Versalhes
Depois de 14 quilômetros debaixo de chuva, 7 mil mulheres acompanhadas de soldados e populares se concentram nos portões do palácio. O grupo conta com o apoio da Guarda Nacional. O rei, que estivera caçando de manhã, fora avisado da manifestação e estava no palácio.

4. Mulheres na Assembleia
Parte das manifestantes se dirige à Assembleia Nacional, ao lado do palácio. Os deputados são interrompidos, as mulheres tomam a palavra e uma delas discursa da tribuna. Elas forçam a aprovação de medidas para diminuir o preço do pão.

5. Desmaio diante do rei
Doze mulheres vão ao palácio pedir ao rei que resolva a falta de pão. A porta-voz do grupo, Louison Chabry, de 17 anos, fica tão emocionada diante de Luís XVI que só consegue dizer "pão!" e desmaia. O rei a socorre paternalmente. Louison entra revolucionária e sai monarquista.

6. Tentativa de fuga
Luís XVI manda preparar as carruagens, reúne a família e tenta fugir pelos fundos. Membros da Guarda Nacional dizem a ele que não podem garantir sua segurança fora do palácio. Impedido de sair, ele volta para a residência.

7. Declaração assinada
Pressionado pelos gritos que vêm de fora e apreensivo com a iminente chegada de 15 mil guardas nacionais, o rei enfim capitula: assina a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A volta

Com o rei a caminho da capital, o protesto se transformou em festa

8. Invasão e morte
Durante a noite, a população invade o palácio e ruma para os aposentos da rainha Maria Antonieta. Ela foge por uma passagem secreta direto para quarto do rei. O incidente provoca a morte de dois guardas.

9. O rei fala com o povo
Acompanhado da rainha e do comandante La Fayette (1757-1834), o rei se apresenta no balcão para os mais de 30 mil manifestantes que exigiam sua presença em Paris. Acuado, Luis XVI cede, com a condição de ser acompanhado pela rainha e pelos filhos.

10. Retorno a Paris
Depois de uma madrugada tensa, a família viaja na carruagem real, em meio a mulheres sentadas em canhões, manifestantes cantando "Viva o rei, viva a nação" e duas cabeças decapitadas em pontas de lança. Da procissão fazem também parte 100 deputados, guardas nacionais e carroças de trigo.

11. O cortejo real na capital francesa
Na chegada, Luís XVI recebe as chaves da cidade do prefeito Bailly e fala ao público do balcão do Hotel de Ville. Depois ele se instala no palácio das Tulherias, um espaço muito menor que Versalhes e que estava abandonado havia 100 anos. Duas semanas depois, o preço do pão cairia.

Post-Scriptum
Por Tania Machado Morin*


Legado escondido
O exemplo das revolucionárias só foi resgatado depois da Segunda Guerra

Uma patriota da cidade de Besançon declarou que as mulheres preferiam os elevados ideais da Revolução às trivialidades do amor. Imbuídas dos princípios de liberdade, justiça e igualdade contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o entusiasmo daquelas mulheres era sincero, apesar de não terem oficialmente nenhuma das prerrogativas da cidadania, como o direito ao voto e às armas. A ruptura revolucionária abriu espaços inéditos de expressão política a um grupo social antes excluído deles: as mulheres do povo, que estavam mais preparadas do que se imaginava para ocupá-los. Pressionadas pelas circunstâncias, elas saltaram da política de bairro para a cena nacional ao se dirigirem às mais altas instâncias de poder em outubro de 1789: a Assembleia Nacional e o rei. Na sede do Legislativo, falaram de igual para igual com os deputados, subvertendo a ordem hierárquica tradicional. Ali nasceram as militantes francesas. Tendo combatido, não queriam ficar à margem dos acontecimentos.

As autoridades pensavam diferente: era preciso transformar aqueles seres políticos em esposas e mães dedicadas à família. Em 1793, uma lei estipulou que as "patriotas de outubro" teriam lugar especial nas cerimônias cívicas, durante as quais deveriam tricotar pacificamente na companhia dos maridos e filhos. A moral republicana exigia uma divisão clara entre papéis masculinos e femininos. Na Revolução, mulheres de todas as classes desempenharam com orgulho a função materna, agora acrescida de uma dimensão política e patriótica. Não era pouco: sua missão era educar os futuros heróis da nação. As militantes não viam incompatibilidade entre a vida política e a doméstica. A pátria era uma extensão da família. Mas os líderes jacobinos não queriam compartilhar o espaço com as mulheres, e a vocação materna foi a justificativa para a exclusão. Entretanto, as razões políticas não foram menos importantes para o silenciamento de adversárias estridentes que instigavam rebeliões populares e ameaçavam o poder.

O que restou de toda aquela experiência revolucionária? Os atos de cidadania femininos foram varridos do mapa até meados do século 19. O exercício pleno dos direitos cívicos imaginado pelas patriotas só se materializou na França após a Segunda Guerra Mundial. Mas as lutas pela cidadania do início da Revolução inspiraram as futuras gerações. A Sociedade das Republicanas Revolucionárias foi o protótipo dos clubes políticos femininos que surgiram na revolução de 1848. Como salientou a historiadora americana Harriet Branson Applewhite, depois da Revolução Francesa, qualquer planejamento de guerra incluía pensões para as viúvas ou esposas de mutilados de guerra, uniformes e provisões para maridos e filhos no exército, oficinas de trabalho para as mães e esposas de combatentes.

A Revolução acentuou o papel das mulheres como barômetro das crises sociais. Elas tinham se habituado a ir às galerias das assembleias exigir providências se suas reivindicações fossem negadas. Mas não se pode falar em continuidade entre as revolucionárias e as feministas contemporâneas. Separa-as o século 19, marcado pela profunda desigualdade política, social e jurídica entre os dois sexos. Os tratados médicos do fim do século 18 apontaram uma subalternidade orgânica no gênio feminino, condenando-as a uma espécie de menoridade vitalícia. Tal é o fundamento científico da subordinação da mulher ao homem no Código Civil de Napoleão (1804). Essa legislação reafirmou a autoridade paterna, reinstituiu a supremacia marital e tornou o divórcio mais punitivo para a esposa que para o marido. A teoria da domesticidade e da debilidade física e mental da mulher custou ao sexo feminino a relativa liberdade de que desfrutou nos primeiros anos da Revolução, sepultando por um século os sonhos políticos das mulheres livres de 1793. A marcha das mulheres foi longa e acidentada, e o legado das revolucionárias só foi resgatado pela geração das feministas do pós-guerra.


Eleições Papais



O papa é eleito por um colégio de cardeais que se reúne no Vaticano a portas fechadas. A assembléia para a escolha de um novo pontífice se chama conclave. Após a morte do papa, todos os cardeais do mundo com menos de 80 anos devem viajar a Roma. Hoje existem 135 "eleitores" nessa situação, seis deles brasileiros. Mas o processo de escolha nem sempre foi tão restrito (e pacífico). Foi o papa Nicolas II quem instituiu, em 1509, um decreto tornando a participação na votação exclusiva aos cardeais. Antes disso, era o clero e o povo quem apontava o representante máximo da Igreja Católica e as eleições costumavam ser bem mais conturbadas.

Quando o novo pontífice é eleito, ele recebe um nome especial para honrar uma tradição iniciada ainda com o primeiro líder da Igreja Católica. Segundo a historiografia cristã, Jesus mudou o nome do pescador Simão, um dos seus apóstolos, quando o escolheu para ser seu representante na terra, dizendo o seguinte: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja". Simão se tornou São Pedro e desde então cada papa eleito indica o nome que lhe agrada. "A escolha do nome é surpresa também para nós, cardeais", diz o cardeal brasileiro dom Paulo Evaristo Arns, que participou dos conclaves que elegeram os papas João Paulo I e João Paulo II, em 1978.

Votos de fé
Fumaça branca nos céus do Vaticano indica que um novo nome já foi escolhido
1. Quando o papa morre, o camerlengo — cardeal que assume a igreja interinamente — cumpre um ritual. Ele toca três vezes a testa do papa com um martelinho e o chama pelo nome de batismo. Sem resposta, ele anuncia oficialmente o falecimento

2. O conclave começa 18 dias após a morte do papa, tempo necessário para que os cardeais de todo o mundo cheguem a Roma. Eles se reúnem num edifício ao lado da Basílica de São Pedro e recebem um livro contendo parte da vida e da obra de cada um dos cardeais presentes ao conclave — todos candidatos a ser o novo papa

3. A eleição é na Capela Sistina, famosa pelas pinturas do genial Michelangelo (1475-1564). Cada cardeal indica o colega que quer como papa e põe o voto (secreto) num cálice. É difícil algum nome receber logo as indicações necessárias: dois terços mais um voto. Por isso, ocorrem várias votações, duas por dia, até surgirem candidatos fortes que consigam atrair cada vez mais apoio

4. No fim de cada rodada, os votos são contados e queimados. Se nenhum cardeal atingiu os dois terços, os votos são queimados com um produto químico que gera uma fumaça negra que sai da capela. Se a votação indicou um novo papa, os votos são queimados com um produto que torna a fumaça branca

5. Quando um cardeal atinge dois terços mais um dos votos (ou a maioria simples após 30 votações), o camerlengo pergunta ao vitorioso se ele aceita ser papa e qual nome deseja usar. Depois, o camerlengo vai ao balcão de pregações na Basílica de São Pedro e diz a famosa frase: Habemus papam, ou seja, "temos um papa"

Uso das Perucas...


Por que todo mundo usava peruca na Europa dos séculos XVII e XVIII?



Não era todo mundo, apenas os aristocratas. A moda começou com Luís XIV (1638-1715), rei da França. Durante seu governo, o monarca adotou a peruca pelo mesmo motivo que muita gente usa o acessório ainda hoje: esconder a calvície. O resto da nobreza gostou da idéia e o costume pegou. A peruca passou a indicar, então, as diferenças sociais entre as classes, tornando-se sinal de status e prestígio. Também era comum espalhar talco ou farinha de trigo sobre as cabeleiras falsas para imitar o cabelo branco dos idosos. Mas, por mais elegante que parecesse ao pessoal da época, a moda das perucas também era nojenta. "Proliferava todo tipo de bicho, de baratas a camundongos, nesses cabelos postiços", afirma o estilista João Braga, professor de História da Moda das Faculdades Senac, em São Paulo.

Em 1789, com a Revolução Francesa, veio a guilhotina, que extirpou a maioria das cabeças com perucas. Símbolo de uma nobreza que se desejava exterminar, elas logo caíram em desuso. Sua origem, porém, era muito mais velha do que a monarquia francesa. No Egito antigo, homens e mulheres de todas as classes sociais já exibiam adornos de fibra de papiro - na verdade, disfarce para as cabeças raspadas por causa de uma epidemia de piolhos. Hoje, as perucas de cachos brancos, típicas da nobreza européia, sobrevivem apenas nos tribunais ingleses, onde compõem a indumentária oficial dos juízes.