quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Guerra dos Tronos



A Guerra dos Tronos,  primeiro livro de uma série de (teoricamente) sete, é aquele tipo de leitura que me prendeu o fôlego da primeira página até a última e olha que são APENAS 562. Um livro que pode ser lido em um mês de férias e claro, mas o prazer de degustá-lo, ler cada detalhe, entender  os milhares de personagens e explorar cada parte do mapa do mundo, faz com que a leitura demore pelo simples prazer da demora. O autor George R.R. Martin leva o leitor para dentro de seu mundo com ricos detalhes, em relatos que te deixam com água na boca e entusiasmo.  A história explora uma era de declínio, quando os elementos esplêndidos que uma vez habitavam o mundo se perderam e tornaram tudo mais sombrio. A graça e o encanto deram lugar as guerras e tramóia impetradas pelos humanos. Seres místicos como os dragões estão eliminados e são citados apenas como aquelas lendas em que ninguém acredita. A magia, se é que ela existe de verdade, é receado e, para muitos povos, diferido. Isto sem alegar os Andarilhos Brancos . Tudo em A Guerra dos Tronos retrata uma realidade crua e tristonha, que trabalha seus personagens com uma certa proximidade do mundo real, embora se passe num mundo fictício. Ao longo do caminho, no entanto, viajamos por uma estrada perigosa e intrigante, com muitas reviravoltas e caminhos imediatos. George R.R. Martin é, categórico, um dos autores mais extraordinário. Ele te pega pela mão e te leva por onde ele deseja te guiar, mas é improvável saber em que terreno você está andando e qual vai ser o seu real rumo. De repente, você já está com as calças na mão, fascinado com os resultados da história, mas admirado com a forma como a trama é levada. Com tudo, os personagens são apaixonantes e bem  apresentados, desenvolvidos, enlevados e debilitados e, com o desfile de constante de suas qualidades e defeitos, somos pegos curtindo seus feitos, ao mesmo tempo em que não podemos sequer nos dar ao prazer de nos apegarmos demais a eles. Esta revolta de interesses e emoções evidências  ainda mais da obra-prima que é A Guerra dos Tronos. Somente  esteja certo de que você não vai conseguir parar de ler antes de terminar e, quando o fizer, terá um desejo constante pelo próximo livro.

Na história, somos postos aos Sete Reinos do continente de Westeros, localizado num mundo de conceitos medievais, onde as estações não são determinadas. Extensos anos de um verão quente são comumente prosseguidos por um inverno igualmente intensivo; quanto mais tempo de verão, mais tempo de inverno… e o último verão já dura dez anos. Agora, “O inverno está chegando”, como prenuncia a Casa Stark, os grandes regentes das terras do Norte, Winterfell. Os membros da família pronunciam  este lema com pesar, conscientes de que tempos difíceis virão. Além do frio abrasador do inverno, Westeros ainda encara  a temperatura gélida comum à região norte do continente, um lugar onde árvores têm rostos e as crianças andam ao lado de lobos gigantes que estão perpetuados aos seus destinos. Winterfell está localizado ao sul de uma imensa Muralha que separa os Sete Reinos de florestas selvagens e tristonhas. Para lá deste muro de gelo, bárbaros perigosos espreitam e forças sobrenaturais desconhecidas, tão antigas quanto o próprio mundo, estão se reerguendo, transportando uma ameaça maior do que qualquer um é capaz de supor. Os Outros, como são chamados, são aparentemente mortos-vivos ligados ao frio, com peles esbranquiçadas e olhos azuis brilhantes. São seres míticos na trama e que, como os mitos que são, aparecem apenas raramente e de forma coibida, o que evidencia ainda mais a natureza tachar das criaturas. Embora o prefácio  do livro seja centrado no aparecimento destes seres, eles não são muito explorados ainda. O autor parece querer deixá-los enigmáticos para surgirem com mais força quando os elementos mais sobrenaturais ganharem força, o que já deve intercorrer a partir do segundo livro: A Fúria dos Reis.

Na primeira parte da grande saga, o foco são os jogos de poder entre as Casas que governam (ou governaram) o continente. A trama começa realmente com a ida do Rei Robert Baratheon para Winterfell. A antiga Mão do Rei (leia-se “braço direito”), Jon Arryn, morreu e ele vêm até o Norte para convocar  um velho amigo, Lorde Eddard Stark, para regressar a nova Mão. O Lorde Stark não gosta dessa idealização  à princípio, mas descobre que o rei pode estar em perigo e, como um homem honesto e um amigo fiel, decide aceitar a carga. A partir deste ponto, toda sua família é envolta, direta ou indiretamente, no jogo dos tronos, uma  assustadora rede de intrigas e maquinações  na qual apenas os astutos podem resistir. O grande problema para Ned Stark, como também é célebre  o senhor de Winterfell, o Rei Robert não é mais o velho amigo com quem ele lutou junto para capturar  o trono do reino há quinzes anos. Ele se tornou um potentado negligente que, mesmo cercado por segredos e complôs, não está preocupado com seu governo ou com seus desejos da perigosa família de sua esposa, a Rainha Cersei Lannister.

O livro tem com uma narrativa para lá de fascinante, mostrando alternadamente os pontos de vista de personagens significativos para o desdobrar da história como capítulos, ao invés de usar a convencional divisão numerada. Uma narrativa audaciosa, devo admitir, mas venerável e envolvente. Desta forma, os personagens ganham mais âmago  e tornam-se mais tridimensionais para o leitor. Não existe um protagonista exato mesmo que um leitor se afeiçoe  a um ou outro como principal, logo ele nota-se que todos são peças essenciais no jogo. Alguns são mais maduros, outros menos, mas, partindo do enunciado de que existem ainda muitos livros, é certo que personagens menos conhecidos ganharam destaque no futuro. Assim, acompanhamos os oito pontos de vistas de: Eddard Stark, o supracitado senhor de Winterfell; Catelyn Stark, a audaciosa esposa de Eddard e uma das personagens que mais progridem durante a trama; Jon Snow, o bastardo da família Stark, visto como um pária, mas apreciado  por seu pai, irmãos e amigos.  Arya Stark, a filha mais nova, que possui um espírito indomável  e corajoso e que nunca aceita as convenções que tentam lhe infligir.  Sansa Stark, a filha mais velha que idealiza  casar-se  com o filho do rei e ser rainha. Bran Stark, o filho mais novo de Ned, que tem um ponto de vista inusitado, mas pouco maduro.  Tyrion Lannister, o anão, um homem que, apesar da estatura baixa, possui inteligência  e agudeza  gigantescas e nunca deixa claro de que lado realmente esta. Daenerys Targaryen, uma menina doce e ingênua que é a herdeira do rei cujo trono foi intruso  por Robert e supostamente descendente dos dragões, mas que se torna forte e determinada à medida que desvenda  sua herança em meio aos brutais dothrakis. Daenerys é, de longe, a personagem que tem o melhor final no livro e a que deixa mais esperada para as próximas histórias.

George R.R. Martin conseguiu criar sua história usando a temática do devaneio medieval de uma forma singular e, sobretudo, contemporânea. Martin é um escritor dos tempos modernos, que cresceu  trabalhando no cinema e na TV e, por isso, lançou um olhar diferente sobre um assunto já abastado por estereótipos. As Crônicas de Gelo e Fogo desconstrói muitos protótipos conceituais deste tipo de narrativa com muita habilidade. Muito se fala sobre a semelhança com O Senhor dos Anéis (1954) e, de fato, é improvável  não tentar comparar as duas obras. São histórias semelhantes na medida em que acontecem em mundos medievais fantásticos, repletos de seres estranhos, superstições e magias antigas. Porém, as semelhanças param por aí. Enquanto J.R.R. Tolkien apresenta uma escrita mais poética e heróica, George R.R. Martin é mais escabroso e desprovido de pudores ou convenções na condução de sua trama. Martin descreve lutas, morte, sexo, incesto, traições sem qualquer sobriedade, com uma liberdade de expressão mais adaptada com o mundo contemporâneo. As Crônicas de Gelo e Fogo e O Senhor dos Anéis são duas obras boas mas com histórias diferentes, escritas com princípios diferentes e em tempos diferentes. No entanto, é óbvio que Martin puxou influências de Tolkien. Na verdade, uma influência ainda mais ajustada seria com o realismo de As Crônicas de Artur, de Bernard Cornwell.

A Guerra dos Tronos é apenas uma pequena porção da grande saga que é As Crônicas de Gelo e Fogo. O livro vicia e, apesar da quantidade de páginas e da fonte bem pequena, traz uma leitura agradável e que vai prender você do começo ao fim. Você vai  ficar tão curioso por saber o que vem a seguir que, quando se dá conta, já está na última página angustiado  por mais. A Guerra dos Tronos é leitura boa não só para os fãs da fantasia, mas para qualquer amante da literatura. Recomendado!!

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